Marília Gabriela se define como uma "provocadora por natureza". E da junção entre seu espírito contestador e a visibilidade da TV, ela acredita que conquistou a liberdade de falar o que bem entende nos inúmeros programas e diferentes emissoras pelas quais já passou. "Tocar em feridas e assuntos polêmicos faz parte da minha trajetória. Eu não tenho problema em me expor, em mostrar minhas ideias e opiniões", diz a jornalista, que atualmente utiliza boas doses de sua autonomia no Gabi Quase Proibida, programa sobre sexo que apresenta nas noites de quarta, no SBT.
Na contramão da programação mais tradicional da emissora de Silvio Santos, onde ela também comanda o De Frente Com Gabi, Marília afirma se sentir à vontade para abordar qualquer tema. "Sexo é um assunto sério e que precisa ser debatido de forma natural. Minha intenção é fazer sempre um programa que una entretenimento e utilidade pública."
Natural de Campinas e criada na pequena Sertãozinho, cidades do interior de São Paulo, Marília começou a carreira na televisão no final dos anos 1960, como estagiária do Jornal Nacional. Na década seguinte, ganhou respeito interno na Globo ao se tornar repórter especial do Fantástico.
Mas foi a partir dos anos 1980, no clássico matinal TV Mulher, que a jornalista conquistou popularidade entre o público das telinhas. "Era um programa inovador para a época, com pautas relevantes, entrevistas marcantes e que teve uma grande repercussão", lembra.
Nos anos seguintes, em busca de novas experiências, Marília passou por emissoras como TV Cultura, Rede TV! e Band, onde inaugurou o formato de seu programa de entrevistas tête-à-tête em produções como Cara a Cara, de 1987.
Atualmente ela se divide entre os dois programas no SBT e o já tradicional Marília Gabriela Entrevista, exibido pelo canal fechado GNT desde 1997. "Entrevistar sem rodeios ou distrações é a melhor forma de conseguir os melhores depoimentos. Não faço por dever, mas por prazer. Gosto de bater papo e de instigar meus convidados.", assume Marília, que, de forma bissexta, também exibe suas porções cantora, em álbuns como Perdida de Amor, de 2002. E, por fim, também já se dedicou por alguns anos à atuação, em novelas como Senhora do Destino, de 2004, e Duas Caras, de 2007. "Gostaria muito de ter tempo para cantar e atuar mais. Mas não se pode ter tudo na vida", diz.
Confira a entrevista com a jornalista a seguir:
Atualmente você apresenta o De Frente Com Gabi, no SBT, e o Marília Gabriela Entrevista, no GNT. O que a levou a querer fazer outro programa de entrevistas?
Marília Gabriela - É uma questão de foco. Nos outros programas, eu e meus entrevistados podemos falar sobre tudo. Já no Gabi Quase Proibida os assuntos giram em torno da sexualidade humana e todas as suas nuances e complexidades.
A temática do programa não merecia um formato mais ousado ou uma produção diferenciada?
Marília - Não tenho infraestrutura e gosto mesmo é de entrevistar. Acredito que o formato de entrevista seja uma maneira de tirar bons depoimentos sem distrair o público e o convidado com coisas irrelevantes. Mas, embora seja parecido, é outro programa e tem suas liberdades. Nada me impede de ter dois ou três convidados antagônicos que podem debater o assunto a partir de seus diferentes olhares. Eu quero provocar e receber todo mundo no programa: os que fazem sexo demais, os que não gostam de transar, os virgens, os transexuais, as mentes por trás da indústria pornô... Quero todo mundo na minha frente.
Qual foi sua fonte de inspiração para criar o Gabi Quase Proibida?
Marília - Em 2004, durante uma viagem a Nova York, visitei o Museu do Sexo, um lugar que eu não sabia que existia. Fiquei encantada. Até porque sexo é nossa raiz, é de onde a gente veio. E foi bacana observar a forma como ele é visto em meio a tantos olhares diversos e culturais. Lembro que naquele dia a principal exposição do local era de sapatinhos chineses, objeto de desejo dos homens da China até hoje. O tesão era o sapatinho, ou seja, sexo e desejo humano são coisas bem loucas (risos). Voltei de lá ainda mais curiosa e com muita vontade de abordar isso na TV.
Nessa época você estava fazendo novela na Globo e chegou a ligar para o Roberto Marinho oferecendo o projeto. O que aconteceu para a ideia ser engavetada?
Marília - Eu fui no topo. Roberto era o dono da emissora e a gente era amigo há muito tempo. Perguntei a ele: "por que a Globo não faz um programa sobre sexo?". Lembrei da época do TV Mulher (1980), quando a Marta Suplicy surgiu com força total abordando o assunto e foi um estouro, uma comoção. E acho que, além de entretenimento, poderia ser um serviço de utilidade pública. O Roberto gostou da ideia, me mandou procurar o Otávio Florisbal, que era quem cuidava da programação na época. Florisbal ficou assustado, mas decidiu consultar o comitê deliberativo da emissora e o projeto foi vetado.
Você ficou frustrada?
Marília - Naquele momento, eu estava totalmente segura para encarar esse mistério e essa paixão pela sexualidade humana. Eles acharam que o público não estava preparado e que o programa não era adequado para a TV aberta. Quando eu pensava justamente o contrário, que falar sobre isso na TV aberta seria extremamente relevante. Fiquei frustrada, mas acabei projetando toda a minha vontade para a web e comecei a escrever sobre sexo no extinto siteNo Mínimo. Mas nunca esqueci da ideia de levar o tema para a TV.
O SBT se vende como uma emissora com a programação voltada para toda a família. Como foi o processo de convencimento para o canal topar produzir o Gabi Quase Proibida?
Marília - O Silvio Santos e o SBT sabem que a família começa no sexo (risos). Não foi tão fácil. Mas, entre idas e vindas, estou há muito tempo na casa e tenho algum poder de voz. A direção do SBT estudou o assunto, vacilou em alguns momentos, até que ficou muito evidente para mim e para o canal que a edição de quarta-feira do De Frente Com Gabi tinha uma repercussão menor. O programa é fortemente identificado com a noite de domingo e era preciso fazer algo para que as entrevistas de quarta não passassem tão despercebidas.
Foi aí que você ofereceu novamente a ideia?
Marília - Exatamente. E tive a meu favor o momento em que o país vive, com a bancada evangélica propondo uma suposta "cura gay", por exemplo. Além de uma volta muito forte do politicamente correto ao vídeo, que tenta conter qualquer coisa que possa ferir uma hipócrita defesa da moral e dos bons costumes. E essa barreira, recheada de culpa e hipocrisia, que não deixa o sexo ser abordado da forma como deve ser, é um dos temas mais recorrentes do programa.
Existe alguma limitação de assunto ou abordagem imposta pela emissora?
Marília - Não existe qualquer censura sobre o tema. Já disse isso outras vezes: o SBT é o melhor lugar para se trabalhar no Brasil. E olha que trabalhei em várias emissoras. O primeiro nome do programa seria De Frente Com Gabi Fala de Sexo. Só que houve uma pequena resistência com a palavra "sexo". Mas, quando propus Gabi Quase Proibida a direção aceitou na hora. Eles acharam que assim ficaria mais interessante também para trabalhar o programa comercialmente.
Com média de quatro pontos no Ibope, o Gabi Quase Proibida levantou a audiência das noites de quarta do SBT, já recebeu nomes como o cantor Ney Matogrosso e abordou temas como a assexualidade e a estreita relação entre o sexo e a religião. Seu objetivo foi alcançado?
Marília - Com certeza. E olha que nem tenho grandes pretensões. Quero apenas que o assunto seja tratado de forma natural e sem restrições. A resposta do público me deixa muito feliz e é o que pode dar continuidade ao programa. É muito bom falar de sexo de forma franca e sem rodeios. E nem por isso o programa é de baixo nível. Sexo é cotidiano e é possível desmistificar um pouco o assunto e levar temas ao telespectador sem pudores religiosos ou culpa.
Pelo fato de o programa abordar o sexo de forma natural e sem hipocrisias foi complexo convencer seus convidados a se exporem de forma mais íntima?
Marília - Até agora não encontramos resistência. Até porque eu e minha produção estamos fazendo questão de convidar pessoas que, independentemente de suas posturas liberais ou tradicionais, topem falar de forma simples e esclarecedora. Quero mesmo é provocar uma discussão entre os prós e contras sob inúmeros aspectos da sociedade.
Atualmente você se divide entre as gravações dos três programas. Como consegue conciliar seu trabalho na emissora aberta com o da TV paga?
Marília - Não encaro como trabalho porque é muito prazeroso para mim. Estou no GNT há muitos anos, então já é normal para mim trabalhar em outros lugares e continuar com meu programa lá. Foi assim quando estive em outros tempos aqui no SBT, quando fui para a Rede TV! ou quando tive vontade de fazer novelas na Globo. Em 2010, estava simultaneamente no SBT, na TV Cultura e no GNT. Era uma loucura, nem sei como consegui dar conta. Mas atualmente a agenda está bem tranquila. Gravo uma vez por semana no GNT e duas vezes no SBT. Uso o resto da semana para pesquisar sobre meus entrevistados, idealizar novas pautas e viver (risos).
Entre as pautas e informações do programa, alguma prática ou postura sexual a surpreendeu?
Marília - Pode até parecer pretensão da minha parte, mas nada me deixou impressionada ou arrepiada (risos). Sou de uma geração muito liberal e que gostava de experimentar. Sexo, para mim, nunca foi problema. Tive a sorte de ser uma menina do interior sem pudores e muito bem-resolvida.
Outros papéis
Paralelamente ao seu trabalho como jornalista e entrevistadora, Marília conseguiu diversificar o modo com que o público acompanhava seu trabalho através da atuação. "Atuar é uma experiência única. É você se doar e se expor ao desconhecido", ela diz.
Empolgada com os convites e personagens, Marília resolveu mostrar a porção atriz de forma intensa. No período de 2004 a 2009, ela pôde ser vista em novelas como Senhora do Destino eDuas Caras, além de ser uma das protagonistas da série Cinquentinha, todas produções assinadas por Aguinaldo Silva e dirigidas por Wolf Maya. "Eles confiaram no meu trabalho, me deram força e eu fui lá me divertir", ressalta Marília, que, fora do núcleo de Wolf, ainda participou da minissérie JK.
Com saudades de atuar, mas sem poder se envolver com a gravação de novelas e séries, Marília se prepara para voltar ao teatro – onde estreou em 2001, com Esperando Beckett, de Gerald Thomas. A partir de um convite do diretor Jorge Takla, ela começa a ensaiar no final do ano e estreia no início de 2014 um novo espetáculo nos palcos. "É um projeto que me fez voltar a desejar estar nos palcos depois de uma frustrada experiência como produtora de teatro. Não vejo a hora de começar a ensaiar", afirma.
No cantar
De voz rouca e grave, Marília Gabriela é cantora "bissexta" e já gravou três discos. Em Marília Gabriela, de 1982, visitou canções conhecidas da música popular brasileira, como Sampa, de Caetano Veloso, e Da Cor do Pecado, de João Bosco.
Dois anos depois, a convite da gravadora Som Livre, relançou o álbum, adicionando algumas faixas bônus. Por fim, após um hiato de 18 anos, voltou aos estúdios para gravar Perdida de Amor, álbum dedicado ao cancioneiro romântico de Dick Farney.
"A melhor parte de fazer música é entrar no estúdio, experimentar arranjos e definir o repertório. Amo o processo de criação de um disco. É uma pena não poder me dedicar a isso tanto quanto gostaria", ela diz.
Trajetória Televisiva
Jornal Hoje (Globo, 1969) - Apresentadora
Fantástico (Globo, 1972) - Repórter
TV Mulher (Globo, 1980 a 1984) - Apresentadora
Marília Gabi Gabriela (Band, 1985) - Apresentadora
Cara a Cara (Band, 1987 a 1994) - Apresentadora
Jornal da Bandeirantes (Band, 1989) - Âncora
Aquela Mulher (GNT, 1995) - Apresentadora
SBT Repórter (SBT, 1995 a 2000) - Apresentadora
First Class (SBT, 1996) - Apresentadora
Marília Gabriela Entrevista (GNT, 1997 - 2013) - Apresentadora
Gabi (Rede TV!, 2000) - Apresentadora
De Frente com Gabi (SBT, 2002 a 2004 e 2010 a 2013) - Apresentadora
Senhora do Destino (Globo, 2004) - Josefa/Guilhermina
JK (Globo, 2006) - Celita
Duas Caras (Globo, 2007) - Guigui
Cinquentinha (Globo, 2009) - Mariana
Roda Viva (TV Cultura, 2010) - Apresentadora
Gabi Quase Proibida (SBT, 2013) - Apresentadora
Fonte: Terra